A Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), em parceria com a France Assureurs, promove em Paris o 1º Fórum Brasil-França de Seguros. O painel “Seguros e Investimentos em Infraestrutura” reuniu autoridades e especialistas dos dois países para debater como o setor segurador pode contribuir para destravar investimentos estruturantes e apoiar o desenvolvimento sustentável.
Participaram do painel Paulo Gonet, Procurador-Geral da República, Davide Negri, Senior Investment Manager no BNP Paribas Cardif, e Leonardo Deeke, presidente do Conselho de Administração da Junto Seguros. Philippe Taffin, chefe do departamento econômico e financeiro da France Assureurs, fez a mediação.
O debate parte de um desafio comum enfrentado por Brasil e França: como mobilizar o capital privado, especialmente o de investidores institucionais como seguradoras, para financiar projetos de infraestrutura que promovam conectividade, competitividade e adaptação às mudanças climáticas.
No Brasil, o governo federal tem intensificado os esforços para ampliar os investimentos em logística, energia, saneamento e infraestrutura digital. De acordo com informações recentes do ministro Silvio Costa Filho, somente nos primeiros meses de 2025, já foram viabilizados mais de R$ 25 bilhões em investimentos com a participação da iniciativa privada. “Estamos avançando em um plano robusto de concessões e PPPs, que envolve portos, aeroportos e corredores logísticos estratégicos para a economia nacional”, destacou o ministro recentemente.
Para viabilizar esses projetos, a utilização de instrumentos do mercado de seguros, como o seguro garantia, é considerada essencial. Dados do setor indicam que o volume de prêmios emitidos em seguro garantia ultrapassou R$ 6 bilhões em 2024, refletindo o apetite crescente por projetos de infraestrutura com cobertura de performance e risco contratual. O produto é visto como um instrumento chave para dar maior segurança jurídica e atratividade aos investidores, especialmente em um ambiente regulatório em transformação.
Na França, o foco está na mobilização das poupanças domésticas para financiar uma economia mais resiliente e soberana. Segundo Philippe Taffin, é preciso criar mecanismos que permitam o redirecionamento de parte das reservas técnicas das seguradoras para projetos alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sem comprometer o equilíbrio prudencial do setor.
Philippe Taffin enfatizou a necessidade de um ambiente jurídico estável como pilar para o desenvolvimento sustentável. “Precisamos pensar nas prioridades fundamentais. Um quadro jurídico claro e estável é essencial para garantir liberdade e segurança aos investimentos de longo prazo”, destacou Taffin. Segundo ele, sem previsibilidade regulatória, os investimentos perdem tração e não conseguem se alinhar aos objetivos de resiliência e soberania econômica.
Para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, segurança jurídica é o pré-requisito básico para o funcionamento de qualquer mercado, inclusive o de seguros. “É o risco de não saber se um contrato firmado hoje será respeitado no futuro. A segurança jurídica significa previsibilidade, confiança nas instituições e respeito à vontade das partes”, afirmou. Ele ressaltou ainda a importância de se evitar legislações retroativas e a imposição de encargos inesperados que comprometam a solvência técnica do setor.
Davide Negri, senior investment manager do BNP Paribas Cardif, reforçou que investidores internacionais precisam de clareza regulatória para assumir riscos de longo prazo. “Quando entramos em novos mercados, o histórico institucional e a estabilidade jurídica são decisivos. Mudanças políticas que afetam concessões ou subsídios alteram totalmente o perfil de risco de um projeto”, pontuou. Negri também defendeu maior diligência e uso de garantias de organismos multilaterais, como o Banco Mundial, para viabilizar projetos em países emergentes.
Negri destacou ainda que a percepção de risco está diretamente ligada ao retorno esperado. “Se o quadro político ou regulatório muda abruptamente, isso pode gerar impactos enormes. Felizmente, há uma mudança de mentalidade: investidores europeus estão hoje muito mais abertos às PPPs e a projetos fora da Europa do que há 20 anos”, concluiu, ao reforçar que um arcabouço jurídico estável é a base para viabilizar o desenvolvimento da infraestrutura.
Representando o Brasil, Leonardo Deeke, presidente do Conselho de Administração da Junto Seguros, destacou o avanço institucional e a continuidade de políticas públicas no setor de infraestrutura. “É notável como nos últimos anos o Brasil conseguiu manter uma linha de atuação consistente, com projetos relevantes sendo estruturados independentemente de mudanças políticas”, afirmou. Ele citou o novo PAC como um conjunto de projetos exequíveis e bem desenhados, com forte atuação de ministérios e agências reguladoras.
Deeke ressaltou ainda o papel do seguro garantia na viabilização de grandes obras. “Com a nova Lei de Licitações, contratos de grande porte podem exigir até 30% de garantia, o que dá mais segurança ao poder público. As seguradoras estão prontas para assumir esse papel, inclusive com mecanismos de retomada da obra em caso de inadimplência”, explicou. Ele lembrou que 40% das obras públicas iniciadas no passado foram paralisadas, e o compartilhamento de risco pode ser decisivo para mudar esse cenário.
“Esse número — 40% de obras inacabadas — ajuda a explicar por que o Brasil decidiu enfrentar de frente o tema da infraestrutura. A boa notícia é que o setor de seguros está pronto para contribuir com soluções. Com diálogo, avaliação correta dos riscos e instrumentos como o seguro garantia, é possível tirar muitos projetos do papel e dar continuidade a essa agenda essencial para o desenvolvimento”, concluiu.
A expectativa é que o evento promova avanços concretos na agenda bilateral de cooperação entre Brasil e França, especialmente em um momento em que o mundo discute como acelerar a transição para uma economia de baixo carbono com base em parcerias público-privadas mais eficientes e financeiramente viáveis.
Para André Dabus, diretor de infraestrutura da corretora Marsh Brasil, o seguro garantia representa uma ferramenta fundamental na estruturação e sustentabilidade de projetos portuários. “Cerca de 80% do comércio global depende da navegação para o escoamento e armazenamento de mercadorias, tornando os portos essenciais para o desenvolvimento de produtos e serviços”, destaca.
Ela explica que, dentro da matriz de riscos de um contrato de parceria público-privada em ambiente portuário, a cadeia de suprimentos se apresenta como uma das principais preocupações para investidores, financiadores, operadores e reguladores. Nesse cenário, o seguro garantia surge como uma alternativa eficaz para mitigar eventuais inadimplências ou falhas por parte de fornecedores — sejam empresas de engenharia, fornecedoras de equipamentos ou operadoras de manutenção e transporte.
“A gestão eficaz dos riscos associados à cadeia de suprimentos é fundamental para garantir a sustentabilidade e o sucesso das operações portuárias. Quanto maior o grau de proteção e transferência de riscos, maior será a adesão de financiadores e investidores”, acrescenta a executiva.
Desafios à ampliação do seguro garantia
Dabus também apontou os principais obstáculos à ampliação do seguro garantia em concessões de infraestrutura no Brasil, apesar dos avanços recentes promovidos pela Circular 662/21 da Susep, que flexibilizou o uso das apólices nesses contratos.
O primeiro desafio, segundo ele, é a compreensão da natureza acessória da apólice, ou seja, o fato de que ela depende diretamente do contrato principal. “É fundamental que esse contrato estabeleça claramente em que situações a garantia será executada, como será esse processo e quais os prazos envolvidos, para que todos os envolvidos tenham clareza e segurança jurídica”, explica.
Outro ponto sensível é a necessidade de capacitação técnica das seguradoras. “É essencial que as companhias tenham equipes especializadas em contratos de infraestrutura, aptas a desenvolver apólices alinhadas com as particularidades de cada projeto”, afirma.
Por fim, Dabus destaca um terceiro desafio: a adequação do valor das garantias às características dos contratos privados, sem replicar automaticamente os percentuais da Lei de Licitações. “O valor da garantia deve ser definido com base na matriz de riscos específica do contrato. Quando falamos de contratos entre privados, não há obrigatoriedade legal de seguir os mesmos percentuais das obras públicas, o que permite uma estruturação mais técnica e realista”, conclui.