Em qualquer entrevista sobre tendências do setor de seguros aparece a sigla MGA, ainda pouco conhecida, mas que é responsável pela entrada de novos players, com apetite para desenvolver nichos de seguros especiais. Nos mercados de seguros mais desenvolvidos do exterior, observa-se uma tendência clara de aumento da importância das Managing General Agents (MGAs) no ecossistema de seguros.
Conforme destacado em um artigo da McKinsey & Company, após uma década em que os investidores focaram em intermediários do setor, como corretoras de seguros, a atenção nos Estados Unidos e Europa tem se voltado para as MGAs, com investimentos acelerados nesse modelo nos últimos dois anos.
A Susep (Superintendência de Seguros Privados) informa que, embora o termo MGA não seja amplamente utilizado no Brasil, a atuação de representantes de seguros é a que mais se assemelha ao modelo. A Resolução CNSP nº 431/2021 disciplina as operações das sociedades seguradoras por meio de seus representantes, permitindo que eles realizem atividades como subscrição de riscos, regulação de sinistros e pagamento de indenizações, sempre em nome da seguradora.
A regulamentação delimita claramente o escopo de atuação das MGAs. Embora possam subscrever riscos, a responsabilidade final sobre o cumprimento das obrigações contratuais e a assunção de riscos seguráveis permanece com as seguradoras. Além disso, as MGAs devem dispor de governança robusta, processos eficientes e estrutura compatível com a complexidade dos produtos intermediados, garantindo alinhamento com as normas e expectativas do mercado.
“É importante ressaltar que a relação entre a seguradora e o representante não deve prejudicar o tratamento adequado do cliente”, afirma a Susep. A regulamentação também exige que o papel do representante como intermediário seja claramente comunicado ao consumidor, evitando conflitos de interesses.
Entre as vantagens das MGAs, os especialistas destacam a agilidade na operação, redução de custos administrativos e capacidade de atender demandas de corretores com mais rapidez. Sua especialização atrai resseguradoras, que se sentem mais confiantes em prover capacidade de resseguro a essas entidades, ampliando as possibilidades de cobertura e fortalecendo o mercado segurador.
No Brasil, um dos desafios é a maturação do modelo de negócio das MGAs, que exige investimentos em tecnologia, processos eficientes e compliance rigoroso. Além disso, o mercado ainda carece de uma associação que represente as MGAs, como ocorre em países como Reino Unido, onde esse modelo é consolidado desde os anos 1990 e conta com mais de 300 MGAs, responsáveis por aproximadamente 10% dos £ 47 bilhões em prêmios de seguros gerais. Nos Estados Unidos, essas organizações já têm papel consolidado no ecossistema de seguros. Lá, as MGAs representam 7% do mercado de seguros nos EUA, com atuação destacada em nichos emergentes como riscos cibernéticos e mudanças climáticas.
Oportunidades também se apresentam no apoio às seguradoras em segmentos onde elas não possuem especialização. Para as seguradoras, as MGAs permitem transformar despesas fixas em variáveis, reduzindo custos e aumentando a eficiência, como mostra a experiencia da ESSOR, uma das pioneiras neste modelo de negócio. Já para corretores, são aliadas na colocação de seguros em mercados desafiadores, como o hard market.
Beto Trindade, CEO da Alba Seguradora, explica que o conceito de MGA surgiu no Brasil a partir de profissionais experientes em ramos de seguros que propuseram às seguradoras atuar como seus departamentos técnicos terceirizados. “Geralmente, os MGAs surgem propondo que a seguradora opere em algum ramo de seguro em que ela não esteja trabalhando até então”, afirma. Para as seguradoras, o modelo é vantajoso, pois transforma custos fixos em variáveis, reduzindo despesas operacionais.
Além disso, o aumento recente da adoção de MGAs no Brasil está ligado ao avanço da tecnologia digital, que facilita a integração entre as atividades das MGAs e o acompanhamento pelas seguradoras. A regulamentação do papel do Representante de Seguros também tem fortalecido o modelo. “O impedimento dos MGAs em receber prêmios em nome das seguradoras reduz o risco da gestão financeira da operação, uma característica do mercado brasileiro”, complementa Trindade.
De acordo com Guillermo Delfino, executivo da Asas, esse crescimento reflete a capacidade das MGAs de agregar valor ao setor segurador, complementando e potencializando a operação das seguradoras. “Essas empresas costumam ser especialistas em nichos específicos que demandam alto conhecimento e especialização. No Brasil, diversas empresas já desempenham algumas das funções típicas de uma MGA, ainda que nem todas sigam integralmente o modelo londrino. O grande desafio é demonstrar que esse conhecimento pode ser monetizado e gerar valor de longo prazo para seus parceiros”, explica.
Segundo Delfino, esse aumento na adoção do modelo no Brasil se deve, em grande parte, à necessidade de especialização e inovação no setor, permitindo a criação de soluções personalizadas para segmentos que ainda não são atendidos de forma eficiente pelo mercado segurador tradicional.
Um dos desafios para a consolidação das MGAs no país é a regulamentação. No Brasil, a legislação atual impede a circulação de recursos das seguradoras dentro das MGAs, o que limita sua capacidade de expansão. No entanto, Delfino esclarece que, globalmente, as MGAs não assumem riscos diretamente – essa responsabilidade continua sendo das seguradoras. “O papel da MGA é demonstrar que seu conhecimento especializado pode agregar valor e ser monetizado, sem necessariamente assumir os riscos que hoje são das seguradoras para pagamento de indenizações aos segurados”, afirma.
Entre as principais vantagens estratégicas das MGAs, Delfino destaca a redução de custos fixos, ampliação da capilaridade e expertise técnica, fatores que podem contribuir significativamente para a expansão do setor de seguros no Brasil, especialmente em nichos ainda pouco explorados. “As MGAs podem agregar flexibilidade e conhecimento especializado para encontrar soluções onde o mercado tradicional não conseguiu atuar de maneira eficiente, ajudando a aumentar a penetração do seguro no país”, aponta.
Outro ponto essencial é a integração das MGAs com corretores e seguradoras, que é vista como uma relação de parceria, e não de concorrência. “Dizer que uma MGA compete com um corretor é quase o mesmo que dizer que uma seguradora compete com eles. As MGAs precisam trabalhar de forma muito próxima e coordenada com os corretores para oferecer soluções adequadas às necessidades dos segurados”, explica Delfino.
O mercado brasileiro oferece diversas oportunidades para o modelo, e as MGAs já estão se movimentando para atender nichos promissores. Como exemplo, a Asas lançou recentemente o Seguro Empresarial Simplificado, um produto voltado para pequenas e médias empresas, setor que tem sido um dos principais motores da economia nacional. “As PMEs cresceram cerca de 7% em 2023, mais que o dobro do PIB do ano, que foi de 2,9%. Apesar disso, o mercado segurador não tem sido flexível o suficiente para apoiar esse segmento. Queremos mudar essa história, ajudando essas empresas a focarem no seu crescimento enquanto nós cuidamos da proteção”, afirma Delfino.
Olhando para o futuro, Delfino acredita que as MGAs continuarão ganhando força no Brasil. “O modelo está se popularizando cada vez mais na indústria de seguros, e o Brasil não será exceção. Com ajustes regulatórios e o amadurecimento do mercado, as MGAs podem se tornar um pilar central no desenvolvimento do setor segurador no país nos próximos anos”.
Glaucia Smith, ex- AGCS (Allianz) e Prudential, prepara a estreia da Forts MGA. Ela destaca que o mercado de MGAs tem crescido significativamente, principalmente em Londres, impulsionado pela disponibilidade de talentos e pela demanda por soluções personalizadas. “No mercado internacional, temos MGAs apoiadas por corretores, seguradoras, private equities e outras 100% independentes”, explica.
As MGAs são conhecidas por sua estrutura operacional leve e capacidade de inovação. “Elas ajudam a distribuir riscos e permitem que seguradoras expandam seu alcance através de parcerias locais”, afirma Smith. Além disso, as MGAs atendem nichos complexos e especializados, oferecendo soluções customizadas para necessidades específicas dos clientes.
Sandro Povegliano, da Beyond MGA, ressalta que, no Brasil, o modelo de MGA ainda está em fase de adaptação, ou “tropicalização”. “Diferente do que acontece em mercados maduros, onde um bom plano de ação e tecnologia robusta já são diferenciais suficientes, no Brasil, o histórico e a reputação dos profissionais à frente da MGA ainda pesam mais na decisão de fechar uma parceria”, explica.
Povegliano também destaca a importância da flexibilidade das MGAs. “Ao contrário das seguradoras, que operam com sistemas legados rígidos, as MGAs adotam soluções mais modernas, utilizando as plataformas das seguradoras apenas para emissão de apólices e requisitos regulatórios”, afirma. Essa agilidade permite a criação de produtos personalizados para nichos pouco explorados, ampliando a oferta de seguros no país.
Paola Neira, da Latú Seguros, reforça que o Brasil está seguindo uma tendência já consolidada em mercados mais maduros, como Estados Unidos e Europa. “A principal vantagem das MGAs é possibilitar a separação entre capital financeiro e capital intelectual. Sem a estrutura da MGA, para entrar em uma nova linha de seguros, uma seguradora teria de contratar atuários, especialistas em produtos, subscritores e reguladores de sinistros. Com as MGAs, a seguradora entra com a capacidade, ou seja, o capital financeiro, e a MGA, com o capital intelectual”, explica.
Neira também destaca o potencial do mercado brasileiro, que, apesar de ser a 10ª maior economia do mundo, ainda é subexplorado no setor de seguros. “As MGAs chegaram para ajudar as seguradoras a explorar esse potencial. Ao associar-se a uma MGA, seguradoras conseguem colocar à disposição do mercado produtos de uma forma muito mais rápida do que se tivessem que desenvolvê-los internamente”, afirma.
A tecnologia e a automação oferecidas pelas MGAs permitem que as seguradoras acessem mercados antes inacessíveis. “Tanto entre pessoas físicas quanto jurídicas, verificamos interesse em seguros como cyber e RC profissional (E&O). Mas, por uma série de motivos, o mercado segurador não consegue atender essa demanda, especialmente para PMEs e pessoas físicas. A expertise e, sobretudo, a tecnologia das MGAs permitem às seguradoras acessar esses mercados de forma eficiente e efetiva”, complementa Neira.
De acordo com um estudo recente da Fitch, cerca de 2 em cada 10 empresas no Brasil contratam ao menos um tipo de seguro, enquanto nos Estados Unidos essa média é de mais de 7 em cada 10. “O mercado de seguros brasileiro tem um enorme potencial a ser explorado. É difícil precisar o tamanho do impacto que as MGAs irão causar, mas, no contexto desse estudo, a MGA irá ajudar as seguradoras a oferecer produtos para essas 8 em cada 10 empresas que ainda não contratam seguros”, afirma Neira.
Andre Raymon, da MG Movim Seguros, aponta que o crescimento das MGAs no Brasil é impulsionado pela necessidade de maior flexibilidade e acessibilidade no mercado de seguros. “Mais de 70% dos veículos no Brasil não possuem seguro, o que representa uma grande oportunidade para a ampliação da cobertura”, destaca.
Raymon também menciona a desconfiança dos consumidores brasileiros em relação a contratos complexos. “A criação de contratos simplificados e coberturas amplas visa facilitar a adesão”, explica. A adoção de ferramentas digitais e inteligência artificial tem permitido personalizar produtos e reduzir custos, ampliando o alcance do mercado.
No ramo de seguro viagem temos a Hero Seguros, que atua como MGA da Generali Brasil. “Atingir números tão expressivos em apenas 3 anos reflete nosso compromisso com a inovação, a experiência do cliente e o uso de tecnologia de ponta para transformar o mercado de seguros. Nosso foco em descomplicar processos burocráticos foi essencial para conquistar a confiança de mais de 1,7 milhão de clientes segurados,” afirma Guilherme Wroclawski, co-CEO da Hero.
Agora, já de olho em 2025, a Hero quer levar todo aprendizado e capacidade de fazer negócio que já desenvolveu no seguro viagem para novos ramos de seguros: “Estamos muito confiantes com a expansão do nosso portfólio esse ano. Vamos replicar nossa tecnologia e nossas melhores práticas de atendimento ao cliente feita dentro de casa para aumentar o alcance da Hero no mercado”, comenta Wroclawski, em nota.
Futuro das MGAs no Brasil
Com base no potencial de crescimento e na necessidade de ajustes regulatórios, especialistas acreditam que as MGAs podem se tornar parceiras fundamentais no mercado de seguros brasileiro. “Pilar central é uma expressão forte, mas certamente as MGAs serão parceiras essenciais dos corretores, seguradoras e resseguradoras na expansão do mercado”, afirma Povegliano.
Paola Neira complementa: “Normalmente, o cenário de seguros brasileiro acompanha as tendências de mercados mais desenvolvidos, como o norte-americano, com alguns anos de atraso. Lá, vemos que as MGAs e as seguradoras que se associam a MGAs crescem em um ritmo mais acelerado do que o de seguradoras que trabalham sozinhas. Em alguns casos, já vemos isso ocorrer no Brasil. É provável que essa tendência continue”.
É possível concluir que as MGAs representam uma evolução significativa no mercado de seguros, tanto no cenário internacional quanto no Brasil. Com sua expertise em nichos específicos, operação enxuta e capacidade de inovação, elas estão transformando a forma como os seguros são oferecidos e gerenciados. À medida que o mercado brasileiro continua a se adaptar a esse modelo, as MGAs têm o potencial de se tornar um componente central do ecossistema de seguros no país, promovendo inclusão, eficiência e crescimento sustentável.
“Sem dúvida, as MGAs têm ocupado um papel cada vez mais relevante no mercado de seguros. Nos últimos anos, o número de MGAs e, sobretudo, o prêmio emitido por elas, tem aumentado. Elas passaram a ocupar um nicho específico, antes pouco explorado pelo mercado segurador”, finaliza Neira.
Reinsurance Week em Miami
Anualmente, a Reinsurance Week, realizada em Miami em meados de fevereiro, vem ganhando cada vez mais relevância. O evento reúne o mercado de resseguros da América Latina e Caribe, consolidando a cidade como um importante hub para colocações de resseguros e desenvolvimento de novos produtos. O Lloyd’s, um dos principais mercados globais, também promove encontros na mesma semana, com foco em segmentos estratégicos como riscos cibernéticos, energia, óleo e gás e linhas financeiras.
De acordo com Rodrigo Protasio, CEO da Gallagher Seguros Brasil, um dos destaques da edição deste ano foi o crescimento expressivo das agências de subscrição MGAs e MGUs (Management General Underwriting Agency), conhecidas no Lloyd’s como coverholders. “Elas têm se multiplicado na região, trazendo novidades, mais agilidade, novas capacidades e produtos, o que reflete o amadurecimento do mercado”, afirma.
Entre as iniciativas que vêm impulsionando esse movimento, Protasio destaca o trabalho da ASAS Group, fundada por Marcelo Assumpção, pioneiro no Brasil, e da CargoCorp Underwriters, que está introduzindo novas capacidades para a América Latina. Além disso, ele ressalta a chegada da XSLatam, liderada por Newton Queiroz, como mais uma alternativa relevante de capacidade, que já vem apoiando o mercado brasileiro.
Na linha da inovação, há também a recém-lançada REDLiNE, comandada por Juan Salazar, que promete aportar uma capacidade significativa ao mercado brasileiro. “Tenho certeza de que, trabalhando junto à Gallagher, traremos boas novidades para nossos clientes”, conclui Protasio.
Excelente matéria! Parabéns