Esta edição do tradicional evento do mercado seguradora, a Conseguro 2025, realizada nesta terça-feira (27) em São Paulo, acontece num momento em que o setor enfrenta o que podemos chamar literalmente de “caos regulatório”, maior reforma das últimas seis décadas, diante de tantas adaptações regulatórias exigidas das seguradoras — marco legal de seguros, entrada de cooperativas no setor de seguros, obrigatoriedade de investimento em crédito de carbono, entre outras. E mais recentemente, o aumento do IOF sobre aportes superiores a R$ 50 mil em planos como o VGBL divulgado no último dia 22.
O presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, foi enfático: “Temos de falar de IOF“, desabafou. Ele classificou o IOF como um obstáculo ao desenvolvimento do setor e à formação da poupança de longo prazo no Brasil. “Colocar um IOF tão absurdo inviabiliza aplicar mais de R$ 50 mil em previdência porque haverá 5% de imposto sobre o que foi poupado numa vida inteira”, afirmou Oliveira no evento.
Ele destacou que a medida prejudica diretamente a classe média, que busca nos seguros uma alternativa para garantir renda na aposentadoria, e que o setor está mobilizado em diálogo com o governo para reverter a decisão.

A crítica se estendeu à obrigatoriedade de alocação de reservas técnicas em créditos de carbono. “Se fosse um bom investimento, não seria obrigatório. Esses recursos são dos segurados”, alertou o presidente da CNseg, ressaltando que isso compromete tanto a segurança dos clientes quanto o desenvolvimento sustentável do setor.
Além da questão tributária, Oliveira enfatizou que o setor sofre com falta de compreensão da sociedade. Pesquisa apresentada revelou que 80% dos brasileiros não sabem o que é “prêmio” em seguros e metade desconhece o termo “apólice”. Ele defendeu que a indústria precisa abandonar o “segurês” e adotar uma linguagem mais acessível, um tema que está na agenda do setor há mais de 20 anos.
Armando Vergílio, presidente da Fenacor, e o superintendente da Susep, Alessandro Octaviani, destacaram a Lei nº 15.040 e a Lei Complementar 213, que modernizam o mercado, mas exigem adaptações, e enfatizaram o impacto crescente das mudanças climáticas. “A Conseguro é um brainstorming para desenhar juntos um futuro melhor para o setor e o nosso País. Nunca na história deste setor tantas mudanças ocorreram e estão ocorrendo com esta frequência em tão pouco tempo”, comentou Vergilio.

O titular da Susep frisou que o projeto do Marco Civil do Seguro foi construído a partir de um amplo processo de diálogo com todos os atores do mercado: seguradoras, resseguradoras, corretores (via Fenacor), segurados (incluindo grandes empresas e pessoas físicas) e entidades como CNseg e FenSeg. “A versão final do projeto recebeu apoio unânime. Todos se manifestaram de forma muito clara e positiva”, afirma Octaviani.
Segundo ele, a regulamentação seguirá a mesma lógica participativa. As primeiras minutas começam a ser divulgadas entre maio e julho, passando por consultas e audiências públicas. “Estamos muito tranquilos quanto à garantia do direito de fala de todos os participantes do mercado. Esse é um processo dialógico de verdade.” Otaviani reforçou a necessidade de um planejamento estratégico robusto para o setor e sugeriu a criação de um núcleo estratégico, liderado pela Susep, para enfrentar os desafios trazidos pela inteligência artificial.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, ressaltou que o direito é, essencialmente, um universo de manifestações de vontade, onde as partes exercem autonomia e autodeterminação. Ele destacou que não há setor que dependa mais de segurança jurídica do que o mercado de seguros, justamente porque sua natureza está baseada na incerteza e no risco. “O seguro é um contrato que lida com eventos futuros e incertos, algo que pode ou não acontecer. Por isso, precisa, mais do que qualquer outro, de regras claras que garantam estabilidade”, afirmou.
Fux enfatizou que, por se tratar de um contrato aleatório — onde uma das partes assume riscos em troca de uma contraprestação —, o setor segurador exige um ambiente jurídico sólido e previsível. A ausência de segurança jurídica, segundo ele, compromete a própria essência do seguro, que depende da confiança nas regras e na efetividade dos contratos para funcionar. “Não existe mercado seguro em um ambiente inseguro”, concluiu, reforçando a necessidade de marcos regulatórios estáveis e claros para garantir o desenvolvimento do setor.
Fux lembrou que nem tudo precisa acabar em embate nos tribunais. Ferramentas como a produção antecipada de provas — prevista no Código Civil — e os tribunais de conciliação podem oferecer saídas mais rápidas, justas e humanas. “Conciliação é uma justiça além dos tribunais. Ali, ninguém vence sozinho. Todos saem com a sensação de que foram ouvidos e que a justiça foi feita”, concluiu.

Apesar de tantos desafios regulatórios, todos estão debruçados em soluções para manter o seguro vivo no futuro, diante de um cenário catastrófico traçado pelo convidado especial David Roberts, fundador da Global Inspiration Goals. “O mundo investe em novas tecnologias. E isso muda o risco de seguros. Robô não precisa de uma apólice de seguro. usou a metáfora da substituição dos cavalos pelos carros para ilustrar como as inovações disruptivas transformam setores inteiros sem pedir licença. Segundo ele, a estabilidade empresarial é uma ilusão: metade das empresas do S&P 500 deve desaparecer na próxima década, e poucas indústrias estão tão ameaçadas quanto a de seguros, que hoje ocupa o quadrante da “volatilidade com vulnerabilidade”.
Roberts alertou que a velocidade das transformações tecnológicas já é exponencial e fora da capacidade de acompanhamento da mente humana. Citou avanços como robôs humanoides, vacinas contra o câncer, edição de DNA e o avanço da inteligência artificial, que já supera doutores em algumas tarefas e, em breve, poderá fazer descobertas científicas autônomas. A capa da revista Time reflete esse cenário: “2045 — o ano em que os humanos podem se tornar imortais”.
No entanto, ele ponderou que esse progresso traz desafios severos, especialmente no campo ambiental. As emissões de carbono geram aquecimento comparável a cem bombas de Hiroshima por minuto, intensificando desastres climáticos. Diante desse cenário, o setor de seguros precisa se reinventar com urgência. E, se bem aplicada, a própria inteligência artificial pode ser a chave para prever riscos e redesenhar a proteção no mundo que se forma.
“É um momento de virada. As ondas da transformação tecnológica e da mudança climática vão definir o futuro do setor”, afirmou, com otimismo, Oliveira, anunciando que a CNseg estará presente na COP 30, em Belém, com a “Casa do Seguro”.
Fenaprevi divulga nota sobre o IOF
A Fenaprevi, em nota oficial, também criticou duramente a incidência do IOF sobre o VGBL. A entidade afirma que a medida penaliza justamente a classe média, que ao longo dos anos constituiu patrimônio para garantir proteção na aposentadoria. Segundo a federação, a decisão contraria todo o arcabouço legal construído nas últimas décadas para ampliar a proteção previdenciária no Brasil, especialmente em um cenário de envelhecimento da população e fragilidade do sistema público de previdência.
A nota ainda alerta que a medida, além de ineficiente do ponto de vista arrecadatório, é operacionalmente inviável e fere os princípios de confiança e previsibilidade, essenciais para o funcionamento do setor de seguros.