Falta de cultura digital torna empresas brasileiras mais vulneráveis a riscos cibernéticos

Carlos Manino, Danielle Djouki, Gloria Faria e Patrícia Godoy OliveiraPor Márcia Alves

Segundo a especialista em Direito Digital, Patrícia Peck, além do atraso tecnológico, inclusive em matéria de conectividade, falta aos brasileiros a cultura digital. “Precisamos aprender a fechar a porta digital”, alertou ela durante o “Seminário Riscos Digitais – Segurança da Informação na Área de Seguros”, realizado pela APTS, sob a coordenação da diretora Maria Amélia Saraiva, no dia 30 de março, no auditório do Sindseg-SP, em São Paulo.

Na visão da especialista, a internet derrubou muros e decretou o fim da privacidade. “Hoje, com toda a mobilidade, a informação é mais fluída, em celulares, tablets, com pessoas trabalhando mobile em casa ou na praia, e estamos mais facilmente suscetíveis a vazamento de informações e quebra de sigilo profissional”, disse. Em sua opinião, a transição do papel para o digital deveria vir acompanhada de uma politica de segurança clara, com normas de uso de recursos de mobilidade e politica de classificação da informação nas empresas. “Mas não fizemos essas muralhas”, admite.

Um dos principais erros dos brasileiros no mundo digital, segundo ela, é “dar OK sem ler” os termos de uso de aplicativos. “Em tecnologia não existe almoço grátis. A moeda da sociedade digital é a informação”, disse. No caso Whatsapp, por exemplo, ao clicar em OK, a pessoa transferirá a propriedade de seus dados, além de se sujeitar às leis brasileiras, ao Direito Internacional Privado e ao MLAT. Esta sigla representa o Tratado de Assistência Jurídica Mútua investigação em jurisdição internacional e multi ordenamentos, que autoriza o FBI ou o Judiciário brasileiro a ter acesso às conversas no aplicativo.

“Empresas de seguros que quiserem armazenar dados de clientes na nuvem não devem contratar o Google Drive, sob o risco de descumprir a cláusula de confidencialidade contratual com o cliente”, disse Patrícia Peck. Ela explica que o simples upload de dados nesse serviço confere ao Google uma licença mundial para usar, hospedar, armazenar, reproduzir, modificar, criar obras derivadas (como aquelas resultantes de traduções), comunicar, publicar, executar e exibir publicamente e distribuir tal conteúdo. “E a licença perdura mesmo que se deixe de usar o serviço”, acrescentou.

Os riscos digitais também estão presentes nos lares brasileiros. Embora celular não seja brinquedo – e muito menos as redes sociais, tanto que a idade mínima para ter perfil no Facebook é 13 anos e para usar o Whatsapp é 16 anos -, quase toda criança tem um aparelho. Para Patrícia Peck, o erro começa pela mentira. Além de péssimo exemplo para as crianças, mentir a idade é crime de falsa identidade, previsto no artigo 307 do Código Penal. “Se mentiu para estar no Facebook, mentirá no currículo, no Linkedin e também para o chefe, quando não for trabalhar. Mentir é falta de ética e de caráter”, disse.

Promissor para o seguro

No cuidado com a segurança da informação estão em jogo, principalmente, os dados e a imagem da empresa. Durante o debate com a participação de especialistas, a coordenadora Maria Amélia Saraiva citou um estudo da consultoria americana EY, segundo o qual 63% das empresas brasileiras não possuem programas antiameaças e investem muito pouco em proteção. Patrícia Peck lembrou que entre as empresas de países desenvolvidos o cyber security costuma vir em destaque no annual report para evidenciar a preocupação com a proteção de ativos intangíveis, como reputação, patrimônio e informações.

Carlos Manino, sócio-diretor da TOTVS JuriTis, destacou que mais 70% dos ataques cibernéticos ocorrem de dentro para fora e não de fora para dentro. “Basta clicar num e-mail contaminado e o vírus se espalha”, afirmou. Danielle Djouki, superintendente Jurídica de Compliance e Sinistros da Fairfax Brasil Seguros Corporativos, relatou o caso de um banco que foi condenado na esfera cível porque um funcionário utilizava o computador da empresa para enviar ofensas a uma estudante de direito.

Para Patrícia Godoy Oliveira, diretora Jurídica e Compliance da AON Corretora de Seguros, a politica de segurança nas empresas deve ser seguida por todos, inclusive o alto escalão. Glória Faria, assessora Jurídica da CNseg, mencionou que o mercado de seguros convive com realidades diversas. Um exemplo é a microfilmagem de documentos que devem ser guardados por 20 anos, conforme determinação da Susep. “Além de ser uma tecnologia bastante ultrapassada é caríssima”, disse. Segundo ela, a CNseg e suas federação estão promovendo um movimento para que a guarda de documentos deixe de ser feita por microfilmagem.

A “versão física” da apólice, que deve ser entregue ao segurado, caso este solicite, conforme determina a Circular Susep 294/2013, não necessariamente precisa ser impressa. No entendimento de Patrícia Peck, o papel é apenas uma das formas físicas. “Digital é físico, vem da física. Tudo que tem átomos é físico. Logo, se está na tela do computador é físico e se estiver disponível para download ou geração de PDF também”, disse. Segundo ela, as dúvidas surgem porque “lemos algo que trata de uma inovação com o filtro da tradição no cérebro”, disse.

A especialista concluiu sua participação afirmando que ainda é preciso construir uma cultura de proteção contra riscos cibernéticos e que este é um mercado promissor para o seguro. “O seguro pode funcionar como um gerenciamento. Porém, será preciso trabalhar para criar a cultura digital, para que se compreenda o risco”, disse. No encerramento do evento, o presidente da APTS, Osmar Bertacini, elogiou o conteúdo apresentado e convocou o mercado a se empenhar para aumentar a oferta de seguros. “É o momento de as seguradoras despertarem para esse mercado, porque existe demanda”, disse.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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