Por Denise Bueno
O cooperativismo pode ser uma das grandes chaves para destravar o potencial de crescimento do setor de seguros no Brasil. Essa foi a principal mensagem da COOP Week 2025, evento promovido pela Mapfre nesta semana, que reuniu lideranças do setor para debater o papel das cooperativas na democratização do acesso ao seguro no país.
Felipe Nascimento, presidente da Mapfre Brasil, abriu o encontro destacando a relevância do cooperativismo para a inclusão econômica e social, apresentando dados que mostram a força do setor no Brasil. As cooperativas já contabilizam 25,8 milhões de cooperados no país. Isso significa que mais de 12% da população brasileira está envolvida diretamente com o cooperativismo — seja empreendendo, trabalhando ou consumindo de forma mais justa, colaborativa e sustentável. Os números são do Anuário do Cooperativismo Brasileiro 2025, divulgado no dia 31 de julho pelo Sistema OCB.
Segundo o levantamento, o cooperativismo não para de crescer: o número de cooperados aumentou 66% nos últimos cinco anos. Com mais de 4,3 mil cooperativas ativas em 3.586 municípios, o modelo gerou 578 mil empregos diretos em 2024, um avanço de 5% frente ao ano anterior. O desempenho econômico também chama atenção: o setor movimentou mais de R$ 757 bilhões no ano passado, com R$ 51,4 bilhões em sobras distribuídas e R$ 41,5 bilhões investidos em salários e encargos.
“A transformação que o Brasil está promovendo por meio das cooperativas está apenas começando. Na Europa, países como Alemanha, Espanha e França já têm nas cooperativas agrícolas e financeiras um pilar do seu desenvolvimento. A Mapfre foi uma das pioneiras a apostar nesse modelo por aqui e seguimos acreditando fortemente no seu potencial”, destacou Nascimento. Para ele, a entrada das cooperativas no mercado de seguros é um passo fundamental para alcançar a verdadeira capilaridade e inclusão que o setor tanto precisa. “Mas, para isso, é preciso que tudo esteja encaixado: regulação, comunicação, produtos e parcerias.”
O presidente da CNseg, Dyogo de Oliveira, compartilha do mesmo otimismo. Em sua participação, brincou ao estimar que a entrada das cooperativas pode ampliar em mais de 20% o mercado segurador brasileiro. Para ele, esse movimento representa não apenas crescimento, mas uma oportunidade de tornar o seguro mais próximo da população, em especial nas regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos.
“Temos um desafio de comunicação. Precisamos bater na porta das pessoas, explicar o que é o seguro, para que serve e como pode transformar vidas. Essa é uma missão que as cooperativas podem nos ajudar a cumprir, porque conhecem seus públicos como ninguém”, afirmou.
Oliveira também destacou o papel da legislação recente na viabilização desse novo cenário. Ele se referiu à Lei Complementar 213/2025, que regulamenta a atuação das cooperativas de seguros e associações de proteção veicular, e ao novo marco legal dos seguros, estabelecido pela Lei 15.040/2024, atualmente em processo de regulamentação pela Susep.
O marco legal dos seguros busca consolidar boas práticas do mercado em uma regulação moderna e transparente, funcionando como um guia sobre como o seguro deve ser contratado e executado. Já a LC 213/2025 amplia o escopo de atuação das cooperativas, que antes podiam operar apenas em seguros de saúde, riscos de acidentes de trabalho e agropecuária. Agora, passam a poder oferecer todos os tipos de seguros, exceto aqueles baseados no regime de capitalização, como previdência complementar.
Segundo Oliveira, a lei também oferece espaço para o surgimento de novos modelos de negócios e parcerias entre seguradoras e cooperativas, respeitando as naturezas jurídicas distintas — sociedades anônimas no caso das seguradoras, e associações civis no caso das cooperativas. “Fora essa diferença, as condições são as mesmas. Isso traz uma competição mais equilibrada, estimula a diversificação do público-alvo e gera novas oportunidades de crescimento.”
Outro ponto abordado por Oliveira foi a regulação das associações de proteção veicular, as chamadas PPMs (Proteção Patrimonial Mútua), que operavam à margem do sistema supervisionado. Até julho, 2.217 dessas associações haviam solicitado regularização junto à Susep.
A proposta da CNseg é que essas entidades, uma vez regulamentadas, cumpram as mesmas exigências das seguradoras e cooperativas, como a constituição de reservas técnicas e o recolhimento de tributos. “Não podemos ter um mercado com regras assimétricas. O seguro é um negócio que vive de confiança. O consumidor precisa saber que, quando ele contrata uma proteção, ela será honrada no momento necessário”, frisou.
Por isso, a atuação das PPMs ficará restrita a riscos patrimoniais — como automóveis e residências — cujas diretrizes serão definidas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP). “É fundamental garantir uma regulamentação equilibrada e transparente, que proteja os consumidores e preserve a credibilidade do setor.”
O tom do evento foi de entusiasmo e mobilização. Ao reunir representantes de seguradoras, cooperativas, reguladores e lideranças do setor, a COOP Week 2025 reforçou que a inclusão das cooperativas no mercado segurador pode ser um divisor de águas.
Com capilaridade, conhecimento profundo de seus públicos e presença em quase 90% dos municípios brasileiros, as cooperativas trazem um ativo estratégico valioso para o setor: a confiança de quem está na ponta. Aliadas às seguradoras, podem ampliar o alcance do seguro, adaptá-lo às realidades locais e impulsionar a inclusão financeira em escala nacional.
“A expansão do seguro é uma necessidade da sociedade. As cooperativas podem ser o veículo para essa transformação. Cabe a nós garantir que estejam plenamente integradas a esse ecossistema. Estou tão otimista que a CNseg tinha uma projeção de crescimento de 10% para este ano e agora quero ampliar para 20% pois acredito que as cooperativas vão chegar com tudo”, brincou Dyogo de Oliveira.
A projeção de crescimento do setor está sendo revista, também pelo fato da tributação do IOF no VGBL, que deve impactar fortemente a maior carteira de arrecadação do setor de seguros. O setor somou R$ 176 bilhões em prêmios de seguros, contribuições à previdência aberta e faturamento com títulos de capitalização no acumulado até maio de 2025, com tímido avanço de 0,8% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Conforme a CNseg, o forte avanço nos pagamentos e o arrefecimento na arrecadação são explicados, sobretudo, pelo desempenho dos planos de previdência aberta, que respondem por cerca de 40% da demanda total do setor.
Nos cinco primeiros meses deste ano, esses planos arrecadaram R$ 72,6 bilhões, queda de 8,4%, ao passo que os pagamentos de resgates e benefícios saltaram 19,1%, alcançando R$ 63,5 bilhões.
Alianças para um mundo mais resiliente
O primeiro painel do dia, “Cooperativismo e seguros: alianças para um mundo mais resiliente”, foi mediado por Fátima Lima, diretora de Sustentabilidade da MAPFRE. A mesa trouxe visões diversas sobre o papel das cooperativas na construção de uma economia mais inclusiva e sustentável.
Isaura Morél, gerente de Sustentabilidade do Sicredi, lembrou que sustentabilidade, para o cooperativismo, não é uma agenda paralela, mas parte do próprio modelo de negócio. “Trabalhamos com a inclusão, o fomento à economia local e soluções que levam segurança e qualidade de vida aos nossos associados. Isso conversa diretamente com o que o seguro representa”, disse.
Itamar Vodzicki, gerente do Instituto Cresol, apresentou os números da rede, com mais de 1 milhão de cooperados, 59 cooperativas e quase mil agências. “Sustentabilidade é um dos nossos valores. Temos ações sociais com indicadores claros de impacto e uma atuação que busca equilibrar desempenho econômico com responsabilidade social e ambiental”, segundo o executivo.
Já Luiz Edson Feltrim, superintendente de Cidadania e Sustentabilidade do Sicoob, trouxe a perspectiva do letramento financeiro como ponte entre inclusão e proteção. “Trabalhamos com uma agenda construída com base em regulação, mercado e comportamento do cooperado. A educação financeira é fundamental para ampliar o acesso a seguros com consciência e autonomia”, afirmou.
Inovação, inteligência artificial e futuro
No segundo painel, “Inovação e IA: como a tecnologia pode auxiliar na distribuição e regulação de seguros nas cooperativas”, especialistas discutiram os caminhos para tornar os produtos de proteção mais acessíveis, eficientes e personalizados.
Rodrigo Kondo, superintendente de Inteligência de Mercado, apontou que o uso de dados e inteligência artificial tem se transformado desde a precificação até a jornada de atendimento ao cliente. “Estamos vendo um novo ciclo, em que é possível ofertar produtos desenhados para realidades muito específicas com menos burocracia e mais precisão”, afirmou.
Hugo Assis, diretor geral de Estratégia e Transformação da MAPFRE, falou sobre as megatendências que atravessam os setores. “Os cooperados precisam entender que a inovação não está só dentro da sua indústria. Ela vem de fora, da saúde, da tecnologia, da mobilidade, e impõe mudanças. Na MAPFRE, estamos investindo em mais de 10 iniciativas com IA, desde contratação até regulação de sinistros. Mas é sempre IA com o humano no centro, como apoio, não substituição”, disse o executivo.
Rogério Tamassa, cofundador da consultoria Liga Ventures, destacou a relevância do chamado “phigital” (a integração entre o físico e o digital) como chave para a personalização em escala. “A IA ainda está em fase de amadurecimento, mas já vemos resultados em experiências com cooperativas que conseguiram entender melhor seus públicos e oferecer soluções mais aderentes”, concluiu.
Diálogo e alianças
Ao longo do dia, as falas convergiram em um ponto central, de que o cooperativismo não é concorrente do modelo tradicional de seguros, mas um parceiro estratégico para a expansão do setor de forma ética, inclusiva e sustentável. “O momento é de diálogo técnico, construção institucional e parcerias de longo prazo”, resumiu Felipe Nascimento. “Estamos falando de complementariedade e não de competição entre modelos. E essa convergência é essencial para proteger a produção, as famílias e os sonhos de milhões de brasileiros que ainda não têm acesso ao seguro.”
A Coopweek 2025 teve a casa cheia, com a presença de representantes das principais cooperativas do país, além de instituições como a OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) e CONFEBRAS. Como desdobramento, a MAPFRE segue divulgando em suas redes sociais, ao longo da semana, uma série de conteúdos sobre os temas abordados nos painéis, com análises, entrevistas e reflexões para ampliar o alcance das discussões iniciadas no evento.