STF reforça soberania nacional e acende alerta para seguradoras e resseguradoras

Decisão do ministro Flávio Dino não traz novidade jurídica, mas reforça proteção contra efeitos automáticos de sentenças estrangeiras em contratos de seguros e resseguros

por Denise Bueno

MATÉRIA ATUALIZADA DIA 20, 16H00, com novo despacho do ministro Dino

A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que sentenças, leis ou ordens estrangeiras não podem ter eficácia imediata no Brasil sem homologação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), reacendeu o debate sobre soberania jurídica e trouxe repercussões para setores com forte exposição internacional, como bancos e seguradoras.

Isso inclui a Lei Magnitsky, dos EUA, que foi usada pelo governo Donald Trump para retaliar o ministro Alexandre de Moraes no fim de julho. Entretanto, a lei americana não foi citada diretamente por Dino — que tomou a decisão em uma ação que questiona no STF um processo movido na Inglaterra por vítimas do rompimento da barragem de Mariana (MG), em 2015, contra as mineradoras Vale e BHP.

Embora especialistas apontem que a regra já fosse consagrada no artigo 105 da Constituição Federal, a ordem de Dino ganha peso diante de um contexto de tensões geopolíticas, como sanções impostas pelos Estados Unidos a autoridades brasileiras, e de disputas judiciais em cortes internacionais envolvendo empresas nacionais.

O impacto mais sensível recai sobre o mercado de seguros e resseguros, no qual é comum a presença de cláusulas que remetem litígios para jurisdições estrangeiras — em especial Londres e Nova York. Em casos de grandes catástrofes, como a tragédia de Mariana (MG), decisões externas já tentaram se projetar sobre apólices de resseguro que envolvem riscos localizados no Brasil.

Com a decisão, Dino reforça que qualquer ordem dessa natureza só terá validade após homologação pelo STJ. Além disso, lembra que contratos que envolvam riscos brasileiros estarão submetidos, de forma incontornável, à lei brasileira — diretriz que se fortalece com a entrada em vigor, em dezembro, da Lei 15.040/24 (novo Marco Legal dos Seguros).

Segundo advogados, a determinação de Dino não altera a prática consolidada, mas sinaliza claramente que eventuais medidas políticas externas — como bloqueios de ativos, restrições a contratos ou exclusão de clientes — não podem ser aplicadas de forma automática por instituições financeiras ou seguradoras no país.

Um ponto de atenção para o setor é a compatibilização entre cláusulas de arbitragem internacional previstas em contratos de resseguro e a exigência de homologação pelo Judiciário brasileiro. Na prática, mesmo que uma arbitragem seja concluída em Londres ou Nova York, para produzir efeitos no Brasil — seja cobrança de valores, bloqueio de ativos ou alteração de contratos — será necessário o crivo do STJ.

No entanto, Dino fez um novo despacho para esclarecer a decisão em que vedou a eficácia automática de leis e ordens judiciais no Brasil, afirmando que a determinação não alcança tribunais internacionais reconhecidos pelo país. No novo despacho, Dino escreveu que uma vez reconhecida pelo Brasil – e os efeitos imediatos de suas decisões”.

Dino também deixou claro no novo despacho que determinou a notificação formal de instituições financeiras e seguradoras, incluindo a CNseg, para que estejam atentas ao cumprimento da decisão. O ministro também convocou audiência pública para discutir o tema, em data ainda a ser definida. Apesar de não citar as sanções econômicas contra Moraes, que têm o potencial de bloquear a utilização de cartão de créditos com bandeiras dos EUA como Visa e Mastercard, por exemplo.

Mesmo com o novo despacho, ainda há questionamentos sobre como ficam os seguros de pessoas incluídas na Lei Magnitsky, como o ministro do STF Alexandre de Moraes. Se ele tiver seguro de vida, saúde ou qualquer outro em empresas americanas, como Prudential do Brasil, MetLife, Chubb entre outras dominadas nos EUA? Aguardamos ainda as respostas aos pedidos de entrevistas para explicarmos melhor este assunto.

No dia 19, o Departamento de Estado dos EUA afirmou que Moraes é “tóxico para todas as empresas legítimas e indivíduos que buscam acesso aos Estados Unidos e seus mercados”. A afirmação foi feita pelo Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental, órgão subordinado ao Departamento de Estado, na rede social X. “Cidadãos americanos estão proibidos de manter qualquer relação comercial com ele [Moraes]. Já cidadãos de outros países devem agir com cautela: quem oferecer apoio material a violadores de direitos humanos também pode ser alvo de sanções”, escreveu o órgão.

A CNseg afirmou em nota que “tomou conhecimento da recente decisão e, no momento, está avaliando o caso. A entidade reforça que, por se tratar de um tema novo e ainda em exame, não é possível apresentar um posicionamento definitivo neste momento. A CNseg seguirá acompanhando os desdobramentos e se manifestará oportunamente, após a devida avaliação técnica”.

O QUE DIZEM OS ADVOGADOS

Advogados ponderam que isso não anula a utilidade das arbitragens internacionais, mas pode alongar o tempo de execução, acrescentando uma etapa de revisão formal. O Brasil, por sua vez, preserva coerência com a prática internacional, já que outros países também exigem validação interna para sentenças estrangeiras.

Para advogados, o STF busca blindar empresas brasileiras contra riscos de submissão a ordens externas sem devido processo legal, reforçando o protagonismo do país em arbitrar disputas que envolvam seu mercado. Para o setor de seguros e resseguros, o movimento confirma uma tendência de maior nacionalização da regulação, em linha com o novo marco legal que entrará em vigor.

Ernesto Trizulick foi enfático em afirmar que “não muda nada”. O advogado explica que as decisões estrangeiras têm de ser homologadas pelo STJ. “A CNseg foi citada para que as entidades reunidas sob essas representações sejam cientificadas de que eventuais medidas judiciais causem danos a essas empresas e aos seus clientes. O Brasil precisa ficar atento e que bom que o STF reconhece a representatividade do mercado pelas suas entidades.”

Cássio Amaral Gama, sócio do Machado Meyer Advogados, reforça o tom. “O que ele decidiu não é novidade. Lei ou decisão alguma estrangeira é aplicável no Brasil sem legitimação por parte do Judiciário. No seguro e resseguro nada muda, especialmente com a entrada em vigor da Lei 15.040 no final do ano, que atrairá todos os contratos de risco brasileiro para a lei e jurisdição nacionais. Sempre foi assim: decisão estrangeira precisa de exequatur do STJ, que analisa formalidade e adequação, como ocorre em outros países.”

O advogado Luis Felipe Pellon segue a mesma linha dos colegas. “A decisão não traz novidade: qualquer decisão estrangeira para ser executada no Brasil necessita do exequatur. O ponto é diferenciar uma decisão com efeitos internos de reflexos externos. Um banco ou seguradora pode decidir manter ou não uma relação contratual com base em riscos reputacionais globais, mas isso não significa impor automaticamente sanções estrangeiras no Brasil. O STF apenas reforça o óbvio: nenhuma decisão internacional se aplica aqui sem passar pelo Judiciário. Isso, no entanto, gera perplexidade no mercado diante do cenário geopolítico atual”.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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