Em meio ao cenário desafiador que o setor de seguros enfrenta no Brasil — com a chegada do novo Marco Legal de Seguros, a regulamentação das cooperativas de proteção veicular, obrigatoriedade de aportes em projetos ambientais e mais recentemente a cobrança de IOF do VGBL sem aviso prévio —, é preciso muita calma para não deixar escorrer pelos dedos um setor que é tido mundialmente como uma grande oportunidade de investimento por viver atualmente o que podemos chamar de caos, com tantas mudanças necessárias para se adaptar a novas regras da Superintendência de Seguros Privados (Susep).
A FF Seguros, que acaba de completar 15 anos de operação no país, aposta numa estratégia ousada de crescimento acelerado. O plano inclui expansão tanto no mercado de grandes riscos quanto no varejo, apoiado por uma robusta transformação digital. Mas, se o avanço tecnológico é indispensável, o aspecto humano torna-se ainda mais crítico para garantir que o crescimento seja sustentável num ambiente recheado de desafios regulatórios que potencializam a concorrência entre seguradoras.
A convicção que orienta todo o plano da subsidiária brasileira da canadense Fairfax Financial Holdings para os próximos anos é: seja qual for a revolução tecnológica, a disrupção regulatória ou o tamanho do caos, o lado humano nunca deixará de ser a principal alavanca de crescimento, de confiança e de transformação, explica Isabel Alves Azevedo, executiva de Pessoas & Transformação da FF Seguros. “Tentar controlar o caos, na maioria das vezes, apenas paralisa”, reflete. “O que o contexto exige da liderança é outra coisa: agir com consistência, ética e coragem — mesmo quando o cenário ainda não oferece garantias.” Ela participou, na semana passada, de um encontro com os colaboradores com foco em compliance e reforça: “No caos, a ética não é o que freia. É o que garante movimento com discernimento.”
A ambição é clara. A companhia projeta uma expansão consistente, lastreada em tecnologia, uso intensivo de dados e inteligência artificial (IA). Mas, nesse ambiente em que algoritmos são capazes de tomar decisões em milissegundos, surge um desafio silencioso, porém vital: como preservar o fator humano, a empatia e o julgamento ético em meio a tamanha velocidade e complexidade?
“A inteligência artificial já é parte do cotidiano das organizações — e vivemos, de fato, uma overdose de ferramentas, plataformas e soluções que prometem eficiência em escala”, afirma. “Mas o verdadeiro diferencial competitivo não está na tecnologia isolada. Está no encontro entre dados precisos e decisões com propósito.” Ela reforça que, em um mundo cada vez mais automatizado, a vantagem está em traduzir dados em decisões que geram sentido — para as pessoas e para os clientes. “É nesse ponto de convergência entre algoritmo e empatia, precisão e contexto, que as empresas constroem aquilo que realmente importa: experiências mais relevantes, relacionamentos mais autênticos e soluções que fazem sentido para quem está do outro lado.”
No novo ciclo que se desenha, liderar não será mais exercer controle sobre processos, mas sim ser um facilitador de diálogos, um curador de significado e de confiança. Esse modelo exige uma mudança radical na forma como as seguradoras tradicionalmente operam. No setor de seguros, onde os modelos atuariais convivem com milhares de variáveis de risco, o excesso de dados não necessariamente traz clareza. Ao contrário, pode tornar o cenário ainda mais enigmático.
“COMPLIANCE NÃO É NORMA, É CONSCIÊNCIA APLICADA. É CULTURA, NÃO BUROCRACIA”
Foi esse raciocínio que norteou a recente Semana de Riscos e Compliance da FF Seguros. Longe de ser uma série de treinamentos burocráticos sobre normas, o evento teve como proposta principal discutir o papel do compliance como vetor de cultura organizacional. “Compliance não é só saber a norma. É ter a consciência de como aquela decisão impacta pessoas, reputação e sustentabilidade do negócio”, resume Isabel. “O maior risco de uma transformação é não ouvir quem vive a consequência.”
A FF Seguros aposta que o grande diferencial competitivo do futuro não estará apenas na capacidade de estruturar dados ou automatizar processos. Estará, sobretudo, na habilidade de construir confiança em tempos de incerteza. A executiva cita uma reflexão da autora Rachel Botsman: a confiança não está em crise, está em transição — saindo das instituições e migrando para as relações humanas. E isso vale tanto para a relação entre seguradora e cliente quanto para os vínculos internos com times e parceiros comerciais.
“Se as seguradoras querem se manter competitivas num mercado que caminha para ter ainda mais players, inclusive as cooperativas agora regulamentadas, elas precisarão oferecer mais do que produtos. Precisarão oferecer segurança, pertencimento e propósito”, avalia Isabel. Num ambiente moldado por regulações cada vez mais complexas — como as exigências do S1 e S2, o debate sobre IOF no VGBL e até a obrigatoriedade de aportes em projetos ambientais —, a agilidade ética torna-se uma competência-chave.
“É decidir rápido, mas sem abrir mão dos fundamentos. É sustentar discernimento sob pressão. É escolher o certo, mesmo quando a solução mais fácil parece justificável. No fim, o que sustenta uma organização não é a norma, é o comportamento diante do imprevisto”, pontua Isabel. “
Tradicionalmente, o mercado de seguros é formado majoritariamente por engenheiros, estatísticos e atuários — profissionais treinados para reduzir incertezas a modelos matemáticos. Mas a FF Seguros percebe que isso não basta mais. “O segurado quer uma experiência sensorial. Ele quer que sua apólice esteja mais próxima da realidade da vida dele”, afirma a executiva. “Não se trata apenas de controlar emoções ou aspectos racionais, mas de integrar os dois.”
“NO FIM, O QUE SUSTENTA UMA ORGANIZAÇÃO NÃO É A NORMA, É O COMPORTAMENTO DIANTE DO IMPREVISTO”
Essa nova lógica é especialmente sensível no segmento de seguros pessoais, onde o risco não é mais só técnico ou financeiro — é também emocional e social. O cliente não quer só saber que está segurado. “A IA pode prever cenários, agilizar respostas, mas o cliente quer mais do que eficiência. Ele quer ser compreendido. É na combinação entre tecnologia e acolhimento que nasce a confiança.”
Se há uma certeza no radar da FF Seguros, é que a liderança do futuro precisará ser antifrágil — capaz não apenas de resistir ao caos, mas de se transformar com ele. “Mover-se com fluidez entre as emoções humanas e a lógica dos algoritmos será uma das habilidades mais estratégicas do futuro. Lidar com pessoas será tão determinante quanto dominar a tecnologia”, afirma Isabel.
Ela faz questão de frisar: “Quem lidera não entrega a decisão ao algoritmo. Usa os dados como referência, não como sentença.” Para a FF Seguros, a transformação não é um projeto com começo, meio e fim. É um processo constante de tradução do mundo em movimento, onde tecnologia e humanidade não competem — se complementam. “O papel da liderança será menos sobre comando e mais sobre curadoria de significado. Sobre garantir que, independentemente da velocidade das mudanças, haja sempre espaço para escuta, clareza e construção coletiva.”
E como não poderia ser diferente, Bruno Camargo, CEO da FF Seguros, acrescenta que a FF Seguros acredita que o impulso virá principalmente da estratégia digital, com a plataforma FF Place, que permite maior eficiência na operação e no relacionamento com os corretores. “Com a digitalização de todos os nossos produtos, a ampliação da oferta de soluções e a integração com o Open Insurance, esperamos não apenas ganhar escala, mas também gerar mais valor para nossos parceiros e clientes tendo a base da companhia preparada para humanizar os dados que a tecnologia nos traz.”