A crise climática não é mais uma ameaça futura — ela já está impactando o Brasil e o mundo, com custos cada vez mais altos em vidas, infraestrutura e economia. Na abertura da Conseguro 2025, evento promovido pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) em São Paulo, especialistas, autoridades e representantes do setor segurador reforçaram que o seguro precisa ser incorporado de forma estratégica às políticas públicas de enfrentamento às mudanças climáticas.
Edson Franco, CEO da Zurich e presidente da Fenaprevi, destacou que oGlobal Risk Report 2025 revela que 5 dos 10 maiores riscos globais são ambientais. No Brasil, isso já é uma realidade. Em 2024, só no Rio Grande do Sul, indenizações ultrapassaram R$ 6 bilhões.
“Precisamos investir em previsibilidade, educação em riscos e inovação em produtos para mitigar danos, por isso a colaboração entre empresas, governo e sociedade é vital para reduzir o gap de proteção e tornar o Brasil mais resiliente”, afirma Franco.
Ana Toni, diretora executiva da COP30, destacou que a crise climática, infelizmente, tende a se agravar, assim como os riscos e incertezas associados. No entanto, ela ressaltou que o setor de seguros possui uma competência cada vez mais valorizada no mundo atual: a gestão de riscos. “A gestão de riscos se tornou uma coisa muitíssimo importante nesse momento de crise climática”, afirmou, lembrando que as seguradoras foram, dentro do setor privado, pioneiras em lidar com o tema das mudanças climáticas. Para ela, esse conhecimento posiciona o setor como um dos protagonistas na construção de soluções conjuntas entre setor público e privado.
Toni defendeu três frentes nas quais as seguradoras podem atuar para contribuir efetivamente. A primeira é o desenvolvimento de produtos que incentivem a adaptação e a resiliência, oferecendo, por exemplo, condições melhores para empresas, municípios ou comunidades que adotem planos contra enchentes, incêndios e outros desastres. A segunda é atuar como parceiras na construção de bases de dados e modelos de risco, especialmente porque muitos municípios brasileiros não possuem informações suficientes para mapear seus próprios riscos. “O seguro tem papel fundamental em fornecer dados, inteligência e estímulo à prevenção”, reforçou.
O deputado federal Fernando Monteiro (Republicanos-PE) ressaltou que o seguro é, sem dúvida, uma das maiores ferramentas disponíveis para ajudar a proteger não apenas pessoas e patrimônios, mas também o próprio orçamento público. Segundo ele, muitas vezes a sociedade não percebe que os recursos do governo vêm basicamente dos impostos e que, quando não há proteção, os custos dos desastres recaem diretamente sobre o Estado, agravando o déficit fiscal.
Monteiro defendeu que é preciso aproveitar a inteligência acumulada pelo setor segurador, especialmente sua capacidade de prever, mitigar e precificar riscos, como um caminho estratégico para aliviar a pressão sobre os cofres públicos. “O seguro é uma ferramenta fundamental porque permite minimizar perdas, compartilhar riscos e, consequentemente, proteger tanto a sociedade quanto as finanças públicas”, afirmou. Para ele, fortalecer o uso do seguro no Brasil é uma questão não só de proteção social, mas de responsabilidade fiscal.
O debate ganhou ainda mais urgência após as enchentes no Rio Grande do Sul, que deixaram um rastro de destruição e um prejuízo estimado em R$ 100 bilhões — dos quais apenas 6% estavam segurados. “Nos últimos dez anos, o Brasil perdeu R$ 782 bilhões com eventos climáticos. É um dinheiro que poderia ter sido poupado com um uso mais inteligente do seguro”, alertou Monteiro.
O caminho, segundo os especialistas, passa pela integração do seguro às políticas climáticas e pela construção de uma cultura de proteção. Cristina Reis, subsecretária do Ministério da Fazenda, citou iniciativas em andamento, como a taxonomia sustentável, o mercado de carbono, os títulos soberanos verdes e o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre.

Respondendo à pergunta do mediador Edson Franco sobre como a academia e os cientistas podem colaborar na construção de bases de dados confiáveis para modelos preditivos eficazes, Pedro Farme de D’Amoed, CEO da Guy Carpenter Brasil, alertou que, no Brasil, a falta de seguros para riscos climáticos não é apenas um problema econômico, mas também um risco sistêmico. Segundo ele, atualmente, os prejuízos anuais não segurados chegam a R$ 47,5 bilhões, o que representa aproximadamente 15% de todo o investimento anual em infraestrutura do país. “No Rio Grande do Sul, por exemplo, as enchentes recentes evidenciam essa fragilidade. Quando não há cobertura securitária, a conta recai sobre o governo e a sociedade, triplicando, muitas vezes, o déficit fiscal”, explicou.
Farme destacou que o gap de proteção no Brasil chega a 95%, muito acima dos 70% observados em outros países da América Latina. Ele ressaltou que é essencial envolver todos os entes — públicos e privados — na criação de soluções estruturadas para mitigar esses riscos. Além disso, reforçou que os modelos de risco precisam incorporar de forma urgente os efeitos das mudanças climáticas. “Com um cenário de aquecimento global de 1,5°C, já estimamos um aumento de 45% nos danos em São Paulo. O setor de seguros precisa ser protagonista não só na proteção, mas também na indução de políticas públicas e na construção de soluções baseadas em dados robustos”, finalizou.

Edward Lange, CEO da Sancor Seguros, destacou que, diante da baixa percepção da sociedade sobre os benefícios dos seguros, uma estratégia eficaz seria a adoção da obrigatoriedade da cobertura contra catástrofes climáticas. Ele citou como exemplo a Itália, que aprovou no dia 21 de maio uma lei que torna obrigatório para 100% das empresas — de todos os portes — a contratação de seguros para eventos climáticos extremos. “Pode parecer ditatorial, mas acredito que a obrigatoriedade é o jeito mais rápido e efetivo de educar e conscientizar sobre um tema tão urgente”, afirmou. Segundo ele, é preciso superar a ilusão de que o futuro pode ser guiado por sorte, como acontece com o crescimento exponencial das apostas online no Brasil.
Dentro desse contexto, Lange defendeu que a criação de um Seguro Social contra Catástrofes, como já vem sendo discutido no país, seria um primeiro passo fundamental para aumentar a conscientização da sociedade sobre os riscos climáticos. “Não podemos deixar que o futuro seja definido por quem aposta nas bets, enquanto seguimos desprotegidos contra eventos que destroem vidas e patrimônios. O seguro tem que ser visto como um instrumento de proteção coletiva e de responsabilidade social”, reforçou.
Ana Toni destacou que o setor segurador participa da elaboração dos 16 planos setoriais que o Brasil levará para a COP30, que acontece em novembro, em Belém (PA). A proposta, segundo ela, é transformar a conferência em um espaço de implementação, não apenas de discursos. “Estamos em uma crise climática que só vai piorar. O seguro é um dos principais instrumentos para enfrentá-la”, afirmou. E a mensagem final, compartilhada por todos no evento, foi clara: agir é urgente — e o Brasil não pode mais adiar essa decisão.