A Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) e a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi) manifestaram preocupação com a decisão do governo, anunciada ontem, que estabelece a cobrança de IOF de 5% sobre aportes superiores a R$ 50 mil, medida que passou a valer já nesta sexta-feira.
Um dos principais entraves apontados é a inexistência de um sistema preparado para realizar essa cobrança de forma imediata. As empresas precisam adaptar suas plataformas para recolher o imposto, já que, até então, não havia exigência semelhante para produtos como os planos de previdência. Em outros mercados financeiros, o IOF já era aplicado, com elevação recente de alíquotas, mas as seguradoras não estavam sujeitas a esse tipo de recolhimento, o que demanda um prazo de adequação.
Outro problema técnico é a falta de uma base centralizada de informações sobre os aportes dos clientes. Isso significa que, se um segurado fizer um depósito de R$ 30 mil em um VGBL de uma companhia e outro de R$ 30 mil em uma concorrente, ele ultrapassaria o teto de isenção e deveria pagar o imposto. No entanto, nenhuma das empresas teria como identificar essa situação isoladamente.
Mas algumas dúvidas seguem no radar: como saber se um investidor aportou R$ 30 mil numa seguradora e outros R$ 30 mil em outra? A não ser que ele tenha autorizado o compartilhamento de dados financeiros via “open insurance”, o sistema aberto de seguros, trata-se de uma informação privativa do cliente. Vai ser o próprio contribuinte que vai recolher ou caberá à instituição?, questiona o Valor.
Para garantir o atendimento à nova regra, o Santander, por exemplo, suspendeu pontualmente aplicações em planos de previdência VGBL. “Os clientes serão informados tão logo o ajuste seja concluído”, afirmou a instituição em nota. Com um sistema mais novo, sem legados, a seguradora da XP já limitou novos aportes a R$ 50 mil por CPF, deixando claro que investimentos acima disso serão tributados pelo pedágio do IOF, informou o Valor.
Com um sistema mais novo, sem legados, a seguradora da XP já limitou novos aportes a R$ 50 mil por CPF, deixando claro que investimentos acima disso serão tributados pelo pedágio do IOF.
As entidades também alertam que a medida impacta diretamente a poupança previdenciária, desestimulando o planejamento financeiro de longo prazo. Segundo nota da CNseg, já foi iniciado um diálogo com o governo para tentar reverter a decisão e “evitar que haja retrocesso em tema de fundamental importância social e econômica”, especialmente no que se refere aos planos de seguros de vida com cobertura por sobrevivência, como o VGBL.
“A incidência de IOF sobre um produto que tem como objetivo a proteção da população na aposentadoria vai na contramão de todo o esforço do mercado segurador para conscientizar sobre a importância do planejamento securitário e previdenciário de longo prazo, cada vez mais necessário diante do envelhecimento da população brasileira”, afirmam as entidades.
Considerando os desafios crescentes impostos pela longevidade e seu impacto sobre o sistema público de previdência, as entidades defendem a necessidade de um esforço coletivo, que inclua as soluções proporcionadas pelos seguros de vida com cobertura por sobrevivência.
Nos bastidores, executivos das seguradoras relatam que, em conversas com integrantes do Ministério da Fazenda, ouviram que a inclusão do IOF sobre planos de previdência teria sido uma tentativa de coibir práticas de elisão fiscal — ou seja, planejamento legal, porém abusivo, com o objetivo de reduzir o pagamento de impostos. A motivação estaria ligada à recente tributação dos fundos exclusivos.
Em fevereiro de 2024, a Susep publicou novas normas para os produtos PGBL e VGBL, a fim de garantir maior aderência à sua finalidade de proteção financeira de longo prazo. “Entre os avanços, destacam-se medidas que buscam coibir práticas que possam desvirtuar a lógica desses planos, reforçando seu papel como instrumento de segurança e planejamento para os consumidores”, escreveu a Susep.
Segundo o Goldman Sachs, a decisão do governo representa um risco mais relevante para as seguradoras com maior exposição ao segmento, explicam os analistas, ressaltando que os planos VGBL representam a maior parte das reservas de planos de previdência no Brasil. A BB Seguridade é a líder desse mercado, com aproximadamente 30% de participação, seguida pelo Bradesco, com 21%. Nos planos de seguro do tipo VGBL, a alíquota que era zero passou a ser de 5% em caso de aportes mensais superiores a R$ 50 mil. “Embora não seja possível avaliar com precisão o volume de aportes mensais que ultrapassam o limite, observamos que os nomes que atendem clientes de alta renda tendem a apresentar um saldo médio maior por participante”, dizem os analistas.
No final de 2024, o setor obteve uma vitória relevante. O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1363013, com repercussão geral reconhecida no Tema 1.214, fixou a tese de que “é inconstitucional a incidência do ITCMD sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao VGBL ou ao PGBL, na hipótese de morte do titular do plano”, conforme voto do relator, ministro Dias Toffoli.