Artigo: o futuro dos seguros e resseguros na era dos eventos climáticos extremos

Pedro Farme d’Amoed, CEO da Guy Carpenter no Brasil

O Relatório de Riscos Globais de 2023, desenvolvido pelo World Economic Forum em parceria com a Marsh McLennan, aponta que eventos climáticos extremos dominarão o horizonte de riscos de longo prazo nos próximos anos. Para o mercado de seguros e resseguros, a necessidade de se adaptar a um novo cenário de fenômenos inéditos se traduz sobretudo na busca por novos modelos preditivos, expansão de ofertas e fronteiras de atuação. A seguir, gostaria de explorar os principais desafios e oportunidades que se revelam nesse movimento.

1. Preparar-se para a maior dispersão geográfica de catástrofes da natureza

Entre 1990 e 2005, a concentração de catástrofes naturais, especialmente as seguradas, era maior nas regiões de atividade frequente de furacões nos Estados Unidos, além de regiões mapeadas de atividade vulcânica e sísmica do Pacífico.

No entanto, entre 2006 e 2020, observou-se um aumento na ocorrência desses eventos em áreas antes consideradas não-catastróficas, como Europa Central, Brasil, África e Oceania. Atividade de alagamentos na Alemanha e França, além de aumento da severidade de chuvas de granizo na África, incêndios florestais e enchentes na Austrália tornaram-se recorrentes anualmente, expandindo o mapa de eventos segurados por catástrofe no mundo.

No Brasil, por exemplo, por muito tempo considerado refúgio do mercado para exposições não-catastróficas, temos vivenciado a ocorrência anual de ciclones-bomba na Região Sul do país. Também observamos variações de períodos de secas e chuvas agravadas pelo La Niña, que afetaram a safra de 2020/21 e geraram perdas superiores a um bilhão de dólares apenas cedidas em resseguro. No que tange ciclones e alagamentos extremos, apenas em 2022 mais de R$ 1,5 bilhão em indenizações foram pagas em decorrência dessas naturezas.

A repercussão financeira desses fenômenos reforçou o alerta de que o setor ainda não opera com o provisionamento necessário frente ao risco de eventos extremos em regiões historicamente não-catastróficas. A resiliência do sistema depende da compreensão das novas fronteiras e novos eventos que ocorrem para garantir que seguradoras e resseguradores estejam provisionando, monitorando e com níveis adequados de provisão para fazer frente a impactos antes não esperados.

Além das novas fronteiras, a expansão da atividade de eventos climáticos também se manifesta nas regiões tradicionalmente afetadas e força a necessidade de revisar modelos e provisões.

Segundo levantamento de líderes resseguradores globais, quando analisamos blocos de 5 anos, o total de eventos segurados praticamente dobra de U$300 bilhões (2005 a 2010) para U$600 bilhões acumulados (2017 a 2022), além da frequência superior de 13 eventos registrados com mais de U$ 10 bilhões em perdas, comparado com 6 no primeiro período (valores atualizados por inflação).

2. Desenvolver novos modelos preditivos para novos riscos imprevisíveis

O mercado é atualmente bem provido de modelagens catastróficas e capacidade preditiva para as regiões tradicionais e eventos conhecidos. Há ampla gama de provedores de sistemas preditivos, além de modelagem estocástica associada para quantificar perdas esperadas a depender de rotas de furacões, intensidade e epicentro de terremotos e erupções vulcânicas. No entanto, o aumento da dispersão de eventos traz também o desafio de ampliar esse conhecimento e capacidade para a indústria e sociedade.

Hoje precisamos seguir desenvolvendo modelos preditivos igualmente eficientes nesta ampliação de horizonte, seja para catástrofes causadas pela seca, por incêndios e excesso de chuva, como também para furacões, ciclones e tufões em regiões antes não mapeadas. Afinal, o mercado depende da capacidade acurada de estimativas para prever, provisionar, mitigar e gerenciar seus acúmulos e capitais de forma a assegurar solvência e liquidez do sistema.

Ainda que as perdas iniciais dos eventos não modelados estejam em patamares aceitáveis de recorrência e severidade, é necessário garantir que haja reservas para cobrir prejuízos inesperados de grandes proporções, que podem vir de exemplos como incêndios florestais na Europa, ciclones no Sul do Brasil, enchentes na Oceania ou mesmo de variações abruptas e contínuas de produtividade em negócios agrícolas. Afinal, o que podemos esperar se um ciclone atingir uma região industrial maior ou áreas com imóveis de alto valor e maior penetração de seguros? O mercado estaria preparado para perdas nas casas dos bilhões de reais?

Podemos dizer que o setor é capaz de absorver esse impacto, mas não sem efeitos colaterais. Desde falta de cobertura adequada de resseguro até situações nas quais seguradoras de menor porte, por exemplo, poderiam enfrentar dificuldades para solvência e condições de recapitalização mais desafiadoras. Sem o avanço dos modelos preditivos, não será possível suportar a sociedade civil afetada e garantir a solvência do sistema.

3. Reforçar a cultura e a penetração de seguros em áreas historicamente não-catastróficas

No Brasil o volume de prêmios de seguro em relação ao PIB sempre foi inferior ao de outros países. Estando girando na casa de 4% do PIB, abaixo de países com economias mais desenvolvidas, mas também abaixo da média global acima dos 8% e de pares da América Latina, como Colômbia, Argentina, Chile e México.

Essa realidade contrastante com a de regiões de tufões na Ásia ou furacões nos Estados Unidos é fundamentalmente explicada pela percepção de risco onde as catástrofes são constantes e a conscientização sobre a necessidade de seguros é maior, mas também pela necessidade de distribuição, adequação de produtos e formas de contratação que abranjam maior gama da sociedade.

Ainda que haja menor percepção de risco no Brasil, eventos extremos recentes, com perda de vidas advindas da pandemia de Covid-19 (acima dos R$ 7 bilhões apenas em valores segurados) e danos bilionários a ativos públicos e privados (mais de R$ 1,2 bilhões de indenizações pagas em 2022 por alagamento), alertam que o cenário mudou – e a percepção de risco do brasileiro também precisa mudar.

Por exemplo, o último temporal que arrasou o Litoral Norte de São Paulo, em fevereiro de 2023, teve a maior precipitação da história do Brasil em termos de concentração geográfica em 24 horas. Foi completamente inesperado, mas não isolado: já observamos um fenômeno semelhante em Angra dos Reis (RJ) em 2022, no mesmo período do ano. Junto aos ciclones-bomba do Sul, alagamentos constantes no sul do Nordeste e eventos na Serra do Mar, já podemos traçar uma tendência de catástrofes na extensão do litoral brasileiro vindos de causas naturais como chuva e vento (similares aos danos de furacões, por exemplo).

Devido à baixa penetração de seguros, em casos como esse a estimativa de perdas seguradas está abaixo de 10% em relação às perdas econômicas dos ativos atingidos, enquanto a média global gira em torno de 30 a 35%. Ainda que globalmente a proteção de ativos ainda demonstre um gap, mais de 60% dos prejuízos não são cobertos. No Brasil, estamos abaixo de 1/3 desse cenário já pequeno, o que demonstra a vulnerabilidade do sistema econômico, tanto para agentes privados quanto para a sociedade civil, além do próprio Governo.

Para minimizar o impacto dos danos frente a essa nova realidade, é imprescindível reforçar a cultura do seguro e aumentar a conscientização sobre a importância do investimento em mitigação de riscos e proteção de ativos públicos e privados.

4. Expandir a oferta de resseguros para o setor público

Uma das principais alternativas para reduzir o gap de cobertura de ativos não protegidos são proteções em modelo ‘guarda-chuva’ para todos os ativos em grandes áreas ou decorrentes de eventos específicos. Esses mecanismos, muitas vezes controlados e contratados pelo Governo para substituir ou gerenciar o uso de fundos de reconstrução de catástrofes, são alternativas eficientes de Parcerias Público-Privadas para levar mitigação e proteção de risco para esferas da sociedade muitas vezes não atendidas além de ativos públicos em geral.

Os esquemas estatais de seguros são comuns em países desenvolvidos como Estados Unidos e Europa. O governo da Flórida, por exemplo, controla uma seguradora estatal que vende, em condições mais econômicas, apólices residenciais que contam com cobertura de furacões. Há amplo esquema privado de resseguro por trás dessa companhia, por exemplo.

Já o governo da Califórnia, através de esquema PPP, compra proteções contra incêndios florestais há mais de três anos em decorrência do avanço amplo de extensão e severidade de tais danos. Na Europa, também existem esquemas tradicionais para cobrir até mesmo prejuízos causados por pequenos atentados terroristas e outras intempéries da natureza, em especial, esquemas na Inglaterra e França que também se utilizam de ampla cobertura privada de resseguro de forma a otimizar a alocação de recursos estatais.

Já na América Latina este tipo de desenvolvimento já está presente e ganha novos exemplos. Tradicionalmente o México opera o maior esquema de proteção de resseguro estatal através de uma operação controlada de seguros e resseguros. Dada a ampla exposição de eventos da natureza, tal mecanismo possui amplo apoio e adesão constante.

Em regiões também afetadas, especialmente por terremotos na cadeia andina, já existem soluções implementadas na América do Sul, como o Corredor Andino com Peru, Chile e Colômbia, além de recente proteção de ativos públicos pelo governo chileno. Em todos a conexão com capital privado traz benefícios contábeis e disponibilização imediata de recursos em casos de eventos extremos, mas também atua como mitigador de corrupção e ineficiências gerais.

É positiva a notícia, considerando todas as vantagens dessa modalidade: a oferta de resseguros para governos pode gerar benefícios econômicos significativos, liberando liquidez para investimentos mesmo em um cenário de recessão global e garantindo mais eficiência na gestão de recursos públicos.

No Brasil, por exemplo, eventos climáticos extremos geralmente levam o setor público a acessar fundos de catástrofe para obra de reconstrução, que dispensam processo licitatório e criam um ambiente propenso à corrupção.

Por outro lado, com esquemas de seguros privados adquiridos pelo governo, as seguradoras podem distribuir prêmios mediante obrigações contratuais de reconstrução com custos controlados, além de condicionar ações preventivas em contrato, o que beneficia o público como um todo através de mecanismos de mitigação.

Na prática, os bilhões de reais parados em fundos de catástrofes poderiam ser investidos em seguros na ordem de dezenas ou centenas de milhões, com garantia de cobertura quando necessário, enquanto o restante seria investido de forma mais inteligente em obras de mitigação.

5. Ampliar a oferta de resseguros para o mercado de créditos de carbono

A necessidade de reduzir as emissões de carbono abre diversos novos mercados e oportunidades, inclusive no setor de resseguros. É o caso das operações voltadas para o reflorestamento da Amazônia, que já estão acontecendo no Brasil. 

Trata-se de um novo negócio, baseado em projetos de replantio de árvores nativas com o objetivo de vender créditos de carbono para grandes multinacionais. O ressegurador atua como garantidor e avalizador dessa operação, considerando que os créditos só serão gerados se a floresta permanecer preservada.

Assim, caso ocorra um grande incêndio, por exemplo, os recursos para o replantio e a continuidade do contrato são assegurados. Essa garantia democratiza o modelo de negócio, tornando-o ainda mais atrativo para novos investidores.

Vale destacar que esse tipo de operação vai além dos projetos de reflorestamento com eucalipto, tradicionais na indústria de papel e madeireiras. Para gerar créditos de carbono, é necessário considerar o replantio com foco em biodiversidade, em projetos de alta complexidade com a participação de agrônomos, engenheiros bioquímicos e outros especialistas, além de órgãos reguladores internacionais.

Equalizando desafios e oportunidades, o mercado de seguros e resseguros tem a missão de se reinventar e fortalecer sua posição como um pilar de estabilidade e resiliência. Com esforços conjuntos entre seguradoras, resseguradoras, governos, sociedade e especialistas em diversos campos, podemos enfrentar os crescentes riscos climáticos e garantir a continuidade do progresso, mesmo em tempos de incerteza.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Ouça nosso podcast

ARTIGOS RELACIONADOS