Pensar na “desjudicialização” ajudará a construir uma sociedade mais justa, afirmam estudiosos

Somos uma sociedade marcada por privilégios. E uma sociedade com tantos privilégios tem dificuldade de compactuar para chegar a consensos comuns para ser uma sociedade mais justa. Esse foi o debate que permeou o painel “Confiança: O Caminho da desjudicialização”, mediado por Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da Federação Nacional de Saúde (FenaSaúde), realizado na 6ª Conferência de Proteção do Consumidor de Seguros organizada pela Confederação Nacional de Seguros (CNseg), com apoio da Escola Nacional de Seguros, em São Paulo, no dia 29 de setembro.

Ricardo Morishita, diretor de Pesquisas e Projetos do Instituto Brasiliense de Direito Público IDP e professor de Direito do Consumidor, destacou em sua apresentação que não os privilégios não se concentram em grandes grupos. “Pequenos grupos também exercem forte pressão para manter os benefícios. Com recursos escassos, é preciso ter consciência sobre as repercussões das decisões judiciais. Sei quem vou beneficiar, mas não sei quem vou prejudicar. Quem mais precisa, é quem menos pode pedir no judiciário”, ressaltou, referindo-se ao tema saúde, que representa boa parte dos processos movidos por consumidores e que se acumulam na Justiça.

Morishita cita o nobel Douglass North para explicar a sua teoria. Para North o desempenho econômico das sociedades resultará sempre de suas mudanças institucionais. O sucesso de uma sociedade justa não está no crescimento econômico, avanço tecnológico ou na acumulação de capital. “Está nas regras ou arranjos institucionais que estimulam ou inibam atividades nesse sentido”, comentou. Para Morishita, quando a sociedade pactua melhor, ela se consolida. Países ricos são democracias consolidadas. Assim como North, o professor de direito do consumidor afirma que sociedades pobres precisam desenvolver uma base de regras, leis e costumes capazes de estimular atividades economicamente produtivas.

Gonzalo Vecina, professor assistente da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), informou que a judicialização no Brasil custa R$ 7 bilhões por ano. “Só em São Paulo, R$ 1,2 bilhão. Ou seja, dos R$ 240 bilhões dos recursos da saúde no Brasil, R$ 7 bilhões são gastos com processos de pessoas que querem ter direito a algo muitas vezes inviável”, comentou. Os pedidos de medicações pela população ao Estado são os líderes das ações na justiça. Apenas um medicamento consome 20% dos R$ 8 bilhões destinados pelo Estado para a política farmacêutica, que inclui, inclusive, fraldas. Resumindo, temos uma política de assistência farmacêutica que não garante o que os pacientes exigem”, ressalta, acrescentando que se o Estado é obrigado por uma liminar a dar um remédio de alto custo para um, outros muitos ficarão sem fraldas.

Com enfrentar esse problema? Werson Franco Pereira Rêgo, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, faz eco ao discurso de Morishita. “Os problemas são tão complexos que não há uma solução mágica. O que podemos fazer é discutir”, disse. Como satisfazer necessidades infinitas, com promessas constitucionais, com recursos finitos. Enquanto o juiz se preocupa com o consumidor, esquece dos outros que não estão no processo penal, mas que serão direta ou indiretamente impactados pela decisão, questionou Rêgo.

Entre as medidas sugeridas, os palestrantes citam identificar os privilégios, dimensionar seus efeitos econômicos e sociais e avaliar todo o processo. “Tem de seguir o caminho do dinheiro. Com isso, será possível enfrentar o problema, mudar o foco, olhar para todos os atores do processo e construir uma sociedade mais justa”, defende Morishita.

“Trata-se de uma tema muito difícil. Queremos que o outro abra mão do privilégio, mas eu não quero perder o que tenho. Mas temos de começar por nós. A principal mudança começa com nós mesmos. Uma sociedade justa exige consumidores e empresas conscientes para compactuarem. E é isso que vai criar o processo de desjudicialização”, finalizou Rêgo.

Solange Beatriz concluiu o painel com a mesma sensação de todos os que estavam na plateia e tiveram a oportunidade de ouvir a opinião de três renomados estudiosos: “Não é um problema fácil. Não temos respostas, mas sim os fundamentos para refletir. A judicialização tem uma relação direta com desenvolvimento e com a democracia. Acredito que sairemos todos daqui com uma boa base para pensarmos em como a nossa atuação pode ajudar a construir uma sociedade mais justa. É preciso muita honestidade para o debate e com certeza todos nós seremos beneficiados”.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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