“O juiz não pode interferir, ordinariamente, numa questão de natureza médica”

Fonte: FenaSaúde

Com o tema ‘Judicialização da Saúde: Vilã ou Solução’, Cesar Cury, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e José Cechin, diretor-executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), debateram a questão da judicialização da saúde, o impacto causado nos tribunais e a repercussão na sociedade. O painel fez parte da programação do Fórum de Saúde, promovido pela Associação Brasileira de Recursos Humanos, seção Rio de Janeiro (ABRH-RJ), na terça-feira (12).

Cesar Cury chama a atenção para a alta possibilidade de inconsistência nas decisões judiciais e até mesmo de “chancela” a fraudes. “O juiz tem pouco tempo de dedicação a cada caso individualmente. Não tem conhecimento especializado de medicina para avaliar o laudo médico”. O Desembargador continua: “Posso dizer que hoje a principal porta de acesso ao sistema de saúde pública ou privada é pelos tribunais de justiça e normalmente nos plantões”. Durante a apresentação, o desembargador, ainda, revela o custo temporal de um processo. “Por exemplo, quando se solicita alguma prótese ou material especial e precisa fazer uma perícia, a média de tempo é de oito meses”.

De acordo com Cury, o juiz não tem tempo de analisar – com cuidado e nem a capacidade de investigação necessária – a indicação feita por um médico para solicitações de internação, medicação ou de materiais especiais. “E na dúvida, com a ameaça de que o paciente possa vir a óbito, o juiz dispensa qualquer outro tipo de investigação, concede a tutela, expede uma ordem de prisão condicional, como um apêndice, caso a determinação não seja cumprida. É evidente que isso gere uma distorção no sistema. O juiz não pode interferir, ordinariamente, numa questão de natureza médica”, afirmou Cury.

De acordo com o desembargador, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem 11 milhões de processos em andamento. Desse total, aproximadamente 300 mil são demandas relacionadas ao setor de saúde. O Tribunal recebe em média 25 mil processos novos por mês. “Esse tipo de demanda causa muito impacto, porque é cara. O processo judicial básico custa ao Tribunal de Justiça, em média, R$ 2.800,00. É uma demanda onerosa por envolver outros atores, além do juiz, defensor, autor, advogado, serventuário e da equipe de apoio. Há perícias, diligências e trocas de informações com inúmeros outros órgãos públicos e privados”, destaca.

Para reverter esse quadro de aumento da judicialização da saúde, o desembargador Cesar Cury propõe ações de negociação e conciliação de conflitos: “É preciso, junto com a sociedade, estabelecer novos mecanismos de prevenção, tratamento e solução dessas demandas”. De acordo com Cury, um caminho são os Centros de Soluções de Conflitos por Mediação, que podem ser privados, públicos ou parcerias público-privadas. “Se existe um setor muito vocacionado para instituir centros compartilhados de soluções de conflitos, é o setor privado de saúde”, enfatiza.

O diretor-executivo da FenaSaúde, José Cechin, apresentou o que entende serem os contornos socioculturais da crescente judicialização. Cechin destaca como razões as aspirações que se sintonizam quase instantaneamente com o que se passa no mundo, mas sem que as rendas nacionais acompanhem; o poder de influência da indústria; e a alta probabilidade de sucesso das demandas postas perante o Judiciário. “Beneficiários, médicos e operadores do Direito veem como obrigação da operadora a cobertura de todas as terapias para tratamento das doenças do CID-10 (Classificação Internacional de Doenças)”.

TCU – Para reforçar esse entendimento e o impacto da judicialização nas ações de saúde tanto públicas quanto privada e nos orçamentos, o diretor-executivo da FenaSaúde, José Cechin, apresentou estudo do Tribunal de Contas da União (TCU) que apontou um aumento de mais de 1.300% nos gastos da União com processos judiciais referentes à saúde em sete anos. Em 2015, o valor chegou a R$ 1 bilhão. De acordo com o levantamento do TCU, o fornecimento de medicamentos, alguns sem constarem do registro no Sistema Único de Saúde, correspondem a 80 % das ações. Foram detectadas ainda fraudes para obtenção de benefícios indevidos. O Relatório ainda aponta que as ações são promovidas em partes iguais por defensores e advogados privados, mas que no caso de advogados privados as ações estão concentradas um pequeno número deles.

“Hoje, vivemos a judicialização da política e politização da Justiça, e na Saúde Suplementar não é diferente”, salientou o diretor-executivo da FenaSaúde. Cechin destacou que algumas interpretações equivocadas podem levar a excessos. “Além do entendimento de direito ilimitado à cobertura, alega-se frequentemente a urgência em pedidos liminares sabendo-se da dificuldade de o juiz verificar se as reais circunstâncias alegadas são, de fato, condizentes, sem contar o interesse individual sobreposto ao coletivo”.

Cechin observa que em suas conclusões, o TCU destaca a relativa facilidade de acesso ao Judiciário e a elevada chance de ter a demanda atendida são causas primárias importantes do crescimento da judicialização. Para ter avanços na relação entre consumidores e operadoras, o diretor da FenaSaúde defende que é preciso que a sociedade se disponha a discutir e reformular questões que são frequentemente judicializadas, como por exemplo: contratos antigos, reajustes anuais e por mudança de faixa etária, aposentados e demitidos, e Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. “É preciso reconhecer que a judicialização traz uma vantagem individual, mas que se sobrepõe ao coletivo. O custo é da coletividade e não da operadora, que apenas gerencia os recursos pagos pelos seus beneficiários”.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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